por Edson Vidigal
Confinado por meses num hospital cuidando da coluna, avariada na segunda guerra, num acidente na lancha que comandava, o que lhe valeu fama e medalhas, John Kennedy, então senador por Massachusetts, trocou os ócios da enfermaria por uma pesquisa sobre os políticos que, por seus atos de coragem, mais do que de bravura, fizeram história no Senado dos Estados Unidos.
O livro traduzido no Brasil como “Politica e Coragem” ainda hoje, 50 anos depois, faz sucesso entre os jovens, sendo leitura obrigatória entre os políticos no mundo inteiro e um clássico nas academias.
Como num filme de curta–metragem, primeiro ele mostra o perfil da personagem. Depois o momento, que nem sempre parece que é histórico, e aí entra a pessoa irradiando grandeza ao ambiente. De tudo, tudo, fica o exemplo político da coragem moral.
A conclusão clara no livro de Kennedy é que coragem não é arruaça e que inteligência politica é o cara frio, pondo tudo na geladeira para se vingar ou resolver depois, mas sim compromisso moral e cívico com o país e seu povo.
Política de gente séria nunca será essa coisa rasteira de ficar fingindo, dissimulando, com olhar de jacaré fominha, sem fazer nada, pensando que engana todo mundo, como quem espera a explosão de um navio e, assim, o mar pegue fogo para comer peixe frito.
No livro de Kennedy, que eu li na juventude, há um senador famoso pelos vitupérios. Há um momento em que, num aparte, desmonta o adversário que mantinha o plenário lotado, embevecido, quase convencido. “Vossa Excelência, se posso com algo comparar, nos lembra uma égua morta descendo um rio, numa noite de luar. Brilha e fede”.
Aqui, não haveria surpresa, no baixo nível dessa pobreza política, onde ainda pontificam os defasados de leituras de gibi, e os fazedores de sonetos em acrósticos ridículos, metidos a intelectuais, seria assim – “Quem Vossa Excelência pensa quem é, seu velho escroto?” É, em algumas assembléias de gente eleita com voto comprado, o nível é esse.
Mas é bom conferir nos léxicos para não haver fuxicos. Aurélio, escroto, adjetivo, reles, ordinário, baixo, ruim, grosseiro. Houaiss, feio, não confiável e mesquinho, vil, torpe.
No aeroporto de Fortaleza comprei o “Orélio Cearense – dicionário romanceado e ilustrado de termos e expressões do palavreado do Ceará”. Verbis: “Escroto. Existem dois significados básicos para este termo, um positivo e outro negativo. O primeiro designa uma pessoa de personalidade forte, decidida, firme, que tem palavra.”
Não é melhor ficarmos só na primeira designação? Nessa categoria todo escroto é gente boa. A começar por mim, aqui.
Em politica, há os que buscam a popularidade para se legitimarem e tão logo a conseguem pensam não precisar mais de ninguém, e aí se danam insanos querendo provar, felizmente apenas para si mesmos, que a ação política não é a maior e mais honrada das aventuras.
Para esse tipo de gente, não. A arte da política não vai além de conhecidos e repetidos exercícios de esperteza e vilania, de esquecer ligeiro o sacrifício dos combatentes, não recolher feridos nos campos das batalhas, e sempre achar que tudo o que todos fazem ao lado deles não é em comunhão de ideais de luta, é mínima obrigação.
Ferido, se escapou que morra no festim do esquecimento ou nas torturas morais meladas das armações ilimitadas. Sejam eles todos descartados, o quanto antes, os generais que, sem esmorecimentos na luta, e até com suprimentos e histórias próprias, garantiram a vitoria. Sem eles, melhor, porque assim, só assim, pode a covardia se assumir em nauseabundo acordo com a derrota.
Quando o processo civilizatório ainda enganchava entre a violência embarcada no desaguar das pororocas dando velocidade aos piratas e as idéias iluministas inspirando revoluções em torno de valores e princípios, a politica era o equivalente, muitas vezes, a maquinações de áulicos, puxa-sacos, incompetentes, despreparados que, desconhecendo as lições da história, achavam que tudo iria se manter para sempre, o tempo parado, todo mundo besta, olhando, aplaudindo, e eles achando-se os blindados inimputáveis, os maiorais, e não passam de uns deslumbrados e tolos.
Popularidade a qualquer preço é demagogia. Assinar a rendição depois de ter ganhado a guerra, isso é coisa de quem quer se livrar mesmo dos aliados ou, no mínimo, aceitar do inimigo cápsulas de cianureto para distribuir entre os que o ajudaram a vencer. Não, amigo, suicídio não é comigo, morra sozinho.
Edson Vidigal, ex-presidente do STJ, professor de Direito na Ufma, escreve para o Jornal Pequeno às quintas-feiras.
Texto publicado no Jornal Pequeno em 10 de abril de 2008.